sexta-feira, 6 de julho de 2007
CRONOLOGIA DE FÁTIMA
03.05.1922 – Provisão do Bispo de Leiria , mandando instaurar o processo de canónico sobre os acontecimentos de Fátima .
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Este texto, com algumas excepções, é condensação do estudo do Padre
Joaquim Maria Alonso, C.M.F., "Fátima - Processo diocesano", publicado na revista Ephemerides Mariologicae, vol. XIX (1969), p. 279-340.
Foi apresentado no dia 3 de Março de 1988, às 11.30h, aos participantes do VIII Encontro de Guias de Turismo promovido pelo SEPE, no Santuário de Fátima
Na tarde do dia 13 de Maio de 1917, começou a correr a notícia que, na Cova da Iria, um sítio da freguesia de Fátima, tinha aparecido Nossa Senhora
a uns pastorinhos de Aljustrel.
Esta Notícia, transmitida de boca e boca, chegou também aos ouvidos
do pároco de Fátima, Padre Manuel Marques Ferreira. Contou-nos em 1977,
o Senhor António da Silva Geada, então empregado e sacristão de Fátima ,
que o pároco terá sabido só no dia 17, quinta-feira da ascensão.
Mas só nos fins do mês, teve o primeiro encontro com as crianças, como ele refere mais tarde no chamado processo paroquial.
Após as outras aparições, teve a preocupação, talvez por iniciativa própria ou aconselhado por alguém, de inquirir os videntes: em 14 de Junho, 14 de Julho, 21 de Agosto, 15 de Setembro e 16 de Outubro.
As notas que tomou foram depois aproveitadas para a redacção final de um inquérito oficial que lhe foi pedido pelo Patriarcado de Lisboa.
De facto, nessa época, a paróquia de Fátima estava ainda integrada no
Patriarcado de Lisboa, desde 1882, em que fora extinta a diocese de Leiria, à qual pertencia com todo o território de Ourém e de Porto de Mós, desde 1586. A diocese de Leiria veio a ser restaurada por uma bula de Bento XV, a 18 de Janeiro de 1918.
Nessa época, era patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo, o qual foi expulso do Patriarcado em 23 de Agosto do ano de 1917, por ter incorrido em pena disciplinar estabelecida pelo artigo 146 e seguintes da Lei da Separação, por ter publicado uma provisão sobre irmandades sem obtenção do necessário beneplácito governamental.
Ficou como governador do Patriarcado, o então arcebispo de Mitilene e Vigário Geral, D. João Evangelista de Lima Vidal, que mais tarde veio a ser
Bispo de Vila Real e de Aveiro.
Não se sabe exactamente quando é que este tomou conhecimento dos acontecimentos que estavam a verificar-se no norte da sua diocese. Se não foi directamente, por alguma carta entretanto recebida ou pelas notícias da imprensa
(a primeira notícia da imprensa é do dia 21 de Julho de 1917, publicada em O Século de 23 de Julho), terá sabido quase certamente depois da frustrada aparição de 13 de Agosto), nomeadamente quando apareceu nos jornais uma carta do pároco de Fátima defendendo-se da acusação de cumplicidade no rapto das crianças (O Mensageiro),
de Leiria, 22 de Agosto; A Ordem, de Lisboa, 25 de Agosto;
O Ouriense, de Vila Nova de Ourém, 2 de Setembro).
Seguramente, o arcebispo de Mitilene ficou mais inteirado dos factos ao receber do mesmo pároco uma carta (datada de 15 de Outubro de 1917), em que se pediam providências, incluindo a sugestão de se nomear uma comissão de inquérito.
Efectivamente, por ofícios dirigidos aos vigários ou arciprestes de Ourém
e de Porto de Mós (19 de Outubro9 e ao Pároco de Fátima (3 de Novembro), o arcebispo de Mitilene ordenava finalmente uma inquirição de testemunhas sobre os factos ocorridos em 13 de Outubro.
O vigário de Porto de Mós realiza o seu interrogatório a 25 de Outubro, ouvindo 16 testemunhas do milagre do sol (4 do Reguengo do Fetal, do concelho da Batalha e
12 de Alqueidão da Serra, do concelho de Porto de Mós).
Os depoimentos então redigidos foram enviados para Lisboa, a 11 de Novembro desse mesmo ano de 1917.
Não se conhece um documento semelhante do vigário de Ourém, Padre
Faustino José Jacinto Ferreira; no entanto, existem três depoimentos dos finais de Dezembro de 1917, redigidos respectivamente pelo Padre Francisco Brás das Neves, coadjutor da Freixianda, por Luís António Vieira de Magalhães e Vasconcelos, barão de Alvaiázere, e pelo Padre Dr. Luís de Andrade e Silva, depoimento que embora não se declare neles explicitamente que pertencem a um inquérito oficial, se encontram juntos ao processo vicarial de Porto de Mós e ao inquérito paroquial, sendo, além disso, todos três, da área da vigariaria de Ourém.
O pároco de Fátima também iniciou então o seu processo paroquial propriamente dito, fazendo uma nova redacção dos depoimentos dos videntes a partir dos apontamentos tirados no decorrer das aparições. Mais tarde, juntou-lhes outros depoimentos.
Além dos videntes, ouviu quatro testemunhas: três da freguesia de Fátima e uma de Santa Catarina da Serra.
Acrescentou, em apêndice, um depoimento do pároco de Maceira sobre a cura de
Maria do Carmo, da mesma freguesia (18 de Junho de 1918); uma carta particular de um indivíduo do lugar da Torre, freguesia do Reguengo (Março de 1919);
a sua carta de ato-defesa (Agosto de 1917); um artigo saído no jornal Correio da Beira (30 de Outubro de 1917) e um folheto impresso em Coimbra sobre a última aparição, da autoria de D. Maria Augusta Vieira de Campos (Outubro de 1917).
Entregou esta documentação muito tarde (28 de Abril de 1919), justificando esse atraso pela expectativa de observar alguma coisa mais do que foi sucedendo durante as aparições. Pode pensar-se que outro motivo tenha sido uma certa indefinidas em que se entrou, depois da restauração da diocese de Leiria, a qual só veio ater o seu primeiro bispo em 1920.
Não há indícios de esta documentação entregue ao Patriarcado ter tido alguma sequência. Conhece-se apenas uma declaração tardia (1953) de Mons. Freitas Barros, segundo a qual ele esteve em Fátima em 1919, "por mandato superior" para proceder "
a certas investigações sobre as Aparições da Cova da Iria". Mas também estas investigações não deixaram qualquer rasto documental, pelo menos conhecido.
Foi depois de ser conhecida a nomeação do primeiro bispo da diocese restaurada de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, que começou de novo
a movimentar-se o assunto.
A 20 de Junho de 1920, o Padre Dr. Manuel Nunes Formigão (conhecido pelo pseudónimo de Visconde de Montelo e que pode ser considerado o primeiro historiador de Fátima), em carta ao Padre Faustino, pároco do Olival e vigário de Ourém, escrevia, a propósito da angariação de esmolas para aquisição de terrenos na Cova da Iria: "
se o processo de Fátima estivesse concluso e a sentença fosse favorável (...)
mas, como não está, convém proceder com circunspecção".
O certo é que entrado na diocese o novo bispo, em 5 de Agosto de 1920, logo no dia
15 do mês seguinte, o Dr. Formigão tem um encontro com ele, no qual, entre outros temas, se debateu a possibilidade de encetar um processo diocesano.
O Bispo, nessa entrevista, "reconhecera claramente o dedo da providência , suscitando tantas maravilhas e, longe de criar obstáculos à propaganda de Fátima ,
a permitia de bom grado, ressalvando porém, como não podia deixar de ser, os direitos do magistério eclesiástico quanto às apreciações da natureza dos sucessos reputados maravilhosos".
Mas o tempo ia passando. A 10 de Novembro do ano seguinte (1921), o Dr. Formigão insiste na necessidade urgente da "organização de um processo
episcopal de inquérito, à semelhança do que fez Mons. Laurence sobre os acontecimentos de Lourdes, coroado pela respectiva sentença
acerca da sobrenaturalidade das aparições e de algumas curas escolhidas".
Um lamentável acontecimento vem determinar, finalmente, o início do processo canónico: de 5 para 6 de Março de 1922, foi dinamitada a humilde capelinha que os fiéis tinham edificado no sítio das aparições em 1919. No dia 13 seguinte, o pároco de Fátima, já então o Padre Agostinho Marques Ferreira, promove uma
procissão de desagravo da igreja paroquial até à Cova da Iria, na qual se incorporavam 4 a 5 mil pessoas que se juntaram a umas 6 mil já presentes
no sítio das aparições. Aí se celebrou missa e se rezou o terço.
Informado dos factos, o Bispo de Leiria determina-se pela nomeação de uma comissão de inquérito de que fazem parte seis eclesiásticos: P. João Quaresma, vigário geral da diocese; P. Faustino José Jacinto Ferreira, prior do Olival e vigário de Ourém; Dr. Manuel marques dos Santos, professor do Seminário diocesano de Leiria;
Dr. Joaquim Coelho Pereira, pároco da Batalha; Dr. Manuel Nunes Formigão Júnior, professor do Seminário de Santarém; Padre Joaquim Ferreira Gonçalves das Neves, pároco de Santa Catarina da Serra; Padre Agostinho Marques Ferreira ,
pároco de Fátima.
Essa comissão, já constituída em 26 de Abril de 1922, é tornada pública oficialmente na provisão episcopal datada de 3 de Maio seguinte. Nesse documento o bispo de Leiria determinava, ao artigo do Código de Direito Canónico então em vigor
(cânones 2023-2025): "Ordenamos a todos os fiéis da nossa diocese e pedimos aos de dioceses estranhas que dêem conta de tudo quanto souberem quer a favor quer contra as aparições ou factos extraordinários que lhes digam respeito, e testifiquem especialmente se nelas houve ou há qualquer exploração, superstição, doutrinas ou coisas deprimentes para a nossa Santa Religião".
O Prelado concluía o seu documento episcopal com a afirmação fundamental do
Papa XIII: "A primeira lei da história é nunca dizer falsidades; a segunda é nunca recear dizer a verdade". Por isso, se os factos passados na Fátima, que se apontam como sobrenaturais, são verdadeiros, agradeçamos a Nosso Senhor que se dignou
mandar-nos visitar por Sua Santíssima Mãe para aumentar a nossa fé e corrigir os nossos costumes; se são falsos, conveniente é que se descubra a sua falsidade (...) Esperemos pelo juízo da Santa Igreja, certos de que este será o eco do
juízo de Deus".
O trabalho desta comissão foi extremamente lento e infelizmente não se conhecem quaisquer actas dos seus primeiros anos de actividade.
Entretanto, era fundado o mensário Voz da Fátima, onde se foram fazendo alguns apelos e recolhendo alguns depoimentos (13-10-1922; 13-04-1923; 13-10-1923; 13-12-1923; 13-05-1925; 13-05-1930).
Só em 28 de Setembro de 1923, o Dr. Marques dos Santos e o Dr. Formigão fazem um interrogatório oficial de seis testemunhas importantes e qualificadas: Manuel Pedro Marto e Olímpia de Jesus, pais dos videntes Francisco e Jacinta; Maria Rosa, viúva, mãe da vidente Lúcia ; Maria dos Santos e José Alves da Moita ;
e Manuel António de Paula, de Boleiros.
Mas tem de se esperar novamente pelo dia 8 de Julho de 1924, para um novo passo neste processo: foi o dia em que, com autorização do bispo do Porto, foi ouvida a única vidente viva, Lúcia, que desde 1921 era educanda do Instituto Van Zeller,
mais conhecido por Asilo de Vilar, na cidade do Porto. São 11 páginas manuscritas.
E voltou de novo o silêncio, de tal modo que, incompreensivelmente, só na primavera de 1928, se conhece uma referência de que o processo caminhava, embora de uma forma pouco conforme com as características de uma comissão que deveria trabalhar, colegialmente. De facto, nessa data, numa carta enviada ao Bispo de Leiria , o
Dr. Formigão dizia : "Espero em Deus que, durante os próximos meses de Julho, Agosto e Setembro, possa consagrar-me inteiramente a escrever o relatório sobre os acontecimentos de Fátima. Até hoje, apesar de toda a minha boa vontade, tem-me sido possível começá-lo sequer por absoluta falta de tempo".
Essa falta de tempo continuou a verificar-se, pois no princípio do ano seguinte, isto é, em 20 de Janeiro de 1929, o mesmo Dr. Formigão penitenciava-se novamente de não ter cumprido ainda o compromisso que assumira. E agora, em vistas de não poder apresentar um relatório que fosse "condigno de Nossa Senhora, honrasse a comissão canónica, não merecesse reparos da Santa Sé, se ela o quisesse ver, nem de qualquer prelado a quem fosse facultada a sua leitura, e sobretudo satisfizesse cabalmente a V. Excia. (Bispo de Leiria) (...), devia contentar-se "com um trabalho mais comezinho, um relatório de poucas páginas, só com os argumentos e as conclusões indispensáveis".
O mesmo sacerdote acrescentava ainda que reservaria a história completa e documentação para mais tarde.
E aprazava a conclusão do relatório para Maio seguinte. Entretanto, ouve um encontro com o Sr. Bispo de Leiria, para tratar da forma como se haveria de "preparar a parte sobre a qual os médicos têm de se pronunciar".
O certo é que, só em 22 de Janeiro de 1930, o Dr. Formigão se encontrava em pleno trabalho de redacção do relatório.
Este, que consta de 31 capítulos no total de 96 páginas, é apresentado finalmente para ser apreciado pela comissão reunida nos dias 13 e 14 de Abril de 1930, sendo aprovada por unanimidade, exceptuando o capítulo 23, dedicado à dificuldade da profecia sobre o final da guerra, o qual teve de ser novamente redigido numa versão mais breve.
A decisão final competiu ao bispo D. José Alves Correia da Silva, com a chamada "magna carta" de Fátima "A Divina Providência", datada de 13 de Outubro de 1930. O lapso de tempo que mediou entre a aprovação por parte da comissão, e a decisão final do bispo de Leiria (seis meses), pode significar, segundo a opinião de alguns autores, que ele, antes de se prenunciar definitivamente, enviou um dossier sobre os acontecimentos de Fátima para Roma e esperou que viesse o "nihil obstat"
da Santa Sé.
Isso explicaria nomeadamente a atitude tomada por Pio XI em 1929 distribuindo estampas de Nossa Senhora de Fátima aos alunos do Colégio Português de Roma e benzendo uma imagem também de Nossa Senhora de Fátima que foi entronizada no mesmo Colégio Português.
Na referida carta pastoral, D. José Alves Correia da Silva resumia os argumentos deduzidos no processo canónico: a Cova da Iria é um lugar inóspito e não atrai por si mesma; os videntes são rudes e sem instrução; "não são nervosas, mas afáveis e carinhosas no meio da sua rudeza, amigas da família, obedientes aos pais, alegres"; sem interesses, vaidades ou desejo de lucro; "respondem com precisão, sem contradições sensíveis"; não se desdizem nem perante ameaças; "nada dizem que seja contra a fé ou costumes"; os dois mais pequenos tiveram morte edificante e a Lúcia, única sobrevivente, abraçou livre e voluntariamente, sem coacção de espécie alguma, depois de obter o consentimento de sua mãe, a vida religiosa"; houve fenómenos extraordinários inexplicáveis naturalmente, sobretudo o fenómeno solar de
13 de Outubro de 1917, fixado com antecedência, presenciado por milhares e milhares de pessoas", "de todas as categorias sociais, crentes e descrentes, jornalistas dos principais diários portugueses e até indivíduos a quilómetros de distância , o que destrói toda a explicação de ilusão colectiva"; também não faltaram as perseguições, "que são um sinal das obras de Deus"; o clero manteve-se alheado dos acontecimentos, até por instruções recebidas do Sr. Cardeal Patriarca, que o próprio bispo manteve durante algum tempo; o culto de Nossa Senhora de Fátima " propagou-se rapidamente (...) tanto nesta diocese como em todo o Portugal e hoje estende-se a todas as partes do mundo não só entre nações católicas, mas protestantes e até pagãs; por outro lado, têm-se dado curas físicas e conversões.
O bispo, "em virtude das considerações expostas e outras que omitimos por brevidade, invocando humildemente o Divino Espírito Santo e confiados na protecção
de Maria Santíssima, depois de ouvirmos os Rev. Consultores desta nossa Diocese:
Havemos por bem:
1º Declarar como dignas de crédito as visões das crianças na Cova da Iria,
freguesia de Fátima, desta Diocese, nos dias 13 de Maio a Outubro de 1917;
2º Permitir oficialmente o culto de Nossa Senhora de Fátima".
O Bispo de Leiria terminava a sua pastoral advertindo que "se para nós é um grande motivo de alegria e consolação a graça que a Santíssima Virgem nos concedeu, maior é a obrigação de correspondermos à sua bondade" e por isso recomenda especialmente o amor à Eucaristia, e devoção a Maria Santíssima, a S. José, às almas do Purgatório, o terço do rosário, a fuga da luxúria, a prática da penitência, a caridade para com os doentes e os pobres. P. Luciano Cristino
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